Roubaram minha toalha

toalhaDe vez em quando juntamos a família e vamos dar um passeio até um centro de cultura e esportes bem conhecido, com unidades por toda a cidade. Não é algo habitual, mas talvez até por isso, acaba sendo uma quebra de rotina que as crianças adoram. A atração principal é sempre a enorme piscina, que fica com a maior parte do tempo em que permanecemos lá.

Numa dessas visitas, já há algum tempo, dirigi-me ao vestiário masculino levando junto meu filho, enquanto minha esposa ia com nossa filha para o vestiário feminino. Lá, fui sacando da enorme bolsa tudo o que precisava para preparar a mim e a ele: Toalhas, sandálias, toucas, tudo em dobro, ao mesmo tempo que usava o banco, o suporte acima dele e o armário tentando organizar as roupas que iam sendo tiradas, tênis, carteira, cadeado, chaves, xampu e outros apetrechos envolvidos na empreitada e que precisavam ser guardados ou ajeitados para o uso mais tarde. Cumprida a missão, fomos para a piscina, onde iríamos aguardar nossas meninas. A tarefa delas sempre termina depois da nossa, por mais cedo que elas comecem.

Não me lembro bem em que momento foi que dei pela falta da minha toalha, mas não demorou muito. Tão logo isto aconteceu, corri de volta ao vestiário numa já vaga esperança de reencontrá-la. Nada no banco, nem no armário. O funcionário responsável também não tinha visto. Ninguém havia entregado nada para ele guardar. Fiquei ali, lamentando um pouco a perda da toalha, mas logo em seguida um outro pensamento ocupou com mais força minha mente. Uma toalha! Um objeto de uso estritamente pessoal, de valor irrisório! Por que alguém teria que roubá-lo? Não se pode dizer dos que ali frequentam que precisariam roubar para ter uma toalha.

Há poucos dias me lembrei deste episódio, quando vi convites de uma campanha nas redes sociais contra a corrupção. Uma das chamadas era algo parecido com “Ou para a roubalheira, ou paramos o Brasil”.
Não critico a iniciativa da campanha, provavelmente bem intencionada. Mas fiquei pensando no fenômeno comportamental por trás daquilo. O que será que o povo brasileiro imagina? Será que ele realmente pensa que os grandes corruptos desta terra, especialmente aqueles com cargos políticos, são pessoas diferenciadas do povo em geral, que num dado momento são investidas de cargos públicos? Ou será que ele pensa que um político é um cidadão honesto “como outro qualquer” que se corrompe de repente, quando é eleito, ou talvez por causa de alguma coisa que servem no vôo para Brasília?

O protesto contra a roubalheira mostra que niguém gosta de ser roubado. O episódio com a minha toalha mostra que este é um hábito muito mais impregnado na nossa sociedade do que gostaríamos de admitir e não  se restringe a corruptos “de carteirinha”, nem a pessoas teoricamente excluídas.

É aí que vemos a fraqueza da lei. A lei, uma lei qualquer, apenas restringe. Ela não pode mudar o interior de uma pessoa. Uma pessoa que rouba só deixa de roubar por intimidação, ou então por um interesse ainda maior. Por isso é que questiono quem argumenta que leis mais sofisticadas representam evolução social. Evolução, progresso, seria não ter que haver lei. Se há uma lei para não roubar é porque alguém está roubando.

As mudanças de real impacto na sociedade são aquelas que acontecem a partir do indivíduo.
Enquanto não dermos conta da verdade que há na declaração “quem é fiel no pouco é também no muito”, continuaremos vendo esse tipo de manifestações sociais tão esquizofrênicas quanto ineficazes, porque não movem e nem têm a capacidade de mover as pessoas para uma mudança de disposição interior.

Hamilton Furtado

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3 comentários sobre “Roubaram minha toalha

  1. Fim da linha é mesmo o termo, Verônica. Quando nos damos conta de que as pessoas não têm a menor pretensão de se incluirem nas mudanças que exigem dos outros, não mais nada o que dizer.

  2. Clap, clap, clap!!! Perfeito(2).

    Hamilton, aconteceu um episódio parecido.Em 2009, ocasião de meu primeiro (e único…rs) ano no curso de Serviço Social, discutíamos na aula a questão da corrupção envolvendo José Sarney. Ele havia indicado algumas pessoas para cargo público; nepotismo não é?! Então, na discussão todos estavam acalorados, sentido-se injustiçados! Foi quando pedi a oportunidade de falar… e falei!
    Falei que somos hipócritas, cobrando uma pureza de caráter que muitas vezes não possuímos. Tive que usar a 1ª pessoa do plural, para que não soasse acusação. Que ética é essa que só vemos a corrupção no outro?
    Usei uma situação do cotidiano para ilustrar o que queria evidenciar. Meu esposo, na época, trabalhava em uma grande instituição financeira americana. Lá, uma colega de trabalho comentou com ele que seu cunhado dirigia para o diretor/presidente de uma das maiores (senão maior) empresa de Auditoria na área de Contabilidade. Então ela disse que na hora que ele quisesse, poderia indicá-lo. 
    Então ele disse: ‘Fulana, mas é necessário ter inglês fluente para trabalhar lá!’. Foi então que ela respondeu com uma piscadinha: ‘Ah, bobagem. Nada que um QI não resolva.’

    Pode até soar hipocrisia de minha parte, afinal ele poderia ganhar beeem mais. Bom pra mim também! Mas, eu odiei ouvir aquilo.Me coloquei do outro lado, sendo alguém que tivesse preparado-se anos a fio para uma concorrência de vaga como esta, e de repente perdê-la pelo forte QI do concorrente.Voltando à sala de aula. Perguntei: E aí se fossem vocês?! 
    Que decepção…A mais acalorada nas acusações contra Sarney disse: ‘Com certeza eu ficaria com a vaga, pois o mundo é dos espertos.’Fim de linha!!

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