Heróis e vilões

volenciaBons tempos aqueles quando um herói injustiçado, ao final do filme, dava a volta por cima com um surpreendente golpe de mestre, superando seus adversários com inteligência e elegância. Os tempos agora são diferentes. O herói hoje se contenta em resolver suas pendências no braço. E o público, igualmente, se satisfaz com esse tipo de solução.

Alguns poucos anos atrás uma novela bateu recordes de audiência no capítulo em que uma vilã levava uma senhora surra da suposta heroína. Lembro-me bem do episódio. Eu, parado em um restaurante de estrada na noite em que a cena foi ao ar, quase que obrigado, pude testemunhar a atenção com que absolutamente todas as pessoas presentes no local fixavam os olhos nas duas TVs suspensas, onde a ‘brava’ protagonista literalmente arrebentava sua adversária com as próprias mãos.

De fato, esta é uma forma bem mais simples e cômoda de se oferecer uma vitória ao herói dentro da trama. A outra alternativa, que seria a da surpresa, estratégia e inteligência, precisaria de muito mais elaboração, exercício de neurônios e um risco bem maior de nem sempre ser compreendido, ou mesmo aceito, por um público que só quer assistir um pouco de TV sem ter que refletir muito sobre sutilezas morais ou narrativas.

Mas há ainda um nível ainda mais profundo de leitura possível que tal fato nos proporciona. Na verdade, não é de hoje que heróis e vilões deixaram de se distinguir uns dos outros. A mídia de entretenimento, há muito tempo já esfumaçou a linha que separava bonzinhos e malvados, honestos e safados, tentando convencer a todos que somos igualmente inconfiáveis e que valores como certo e errado são apenas faces diferentes de uma mesma moeda.

Já vai longe o tempo em que o herói era aquela que estendia a mão para o adversário derrotado, ou que se recusava a trair sua própria ética mesmo que em favor de uma causa justa. Hoje, ele só fará isso se houver um interesse ainda maior por trás, caso contrário não será chamado de herói, mas de trouxa.

Assim, para quê perder tempo elaborando demais o perfil dos heróis com valores de moral e justiça se uns sopapos resolvem tudo e satisfazem a todos? Afinal, heróis espelham os ideais da sociedade que os cria. E até a violência sumária, nem um pouco velada, é tolerada e justificada — da mesma forma, aliás, que qualquer desvio ético — desde que perpretada sobre quem estiver incomodando do lado “oposto da linha”.

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