Aborto de anencéfalos

dandelion

Vamos ser práticos. A discussão toda se resume ao seguinte: se devemos ou não tornar possível que as mulheres frustradas com uma criança malformada em seu ventre eliminem essa criança de suas vidas sem que isso lhes acarrete algum incômodo social. Social, apenas, porque o que é moral para alguém jamais poderá ser estabelecido de forma judicial, embora a sugestão implícita seja a de que o que é legal também é moral.

O resto, meus caros, é conversa.

Assim, em função de se dar ao assunto uma aura mais nobre do que o simples e natural egoísmo permite, elabora-se todo um cenário onde uma discussão pouco lógica, mas muito rebuscada, travestida de preocupações humanísticas, começa a debater se uma criança sem cérebro está viva, ou não está viva, como se esta fosse a questão decisiva; ou sobre o valor utilitário da vida para a sociedade, como se a sociedade pudesse determinar desta forma o próprio valor da vida; ou se alguém fadado a morrer merece viver, ainda que por alguns instantes, como se a existência de qualquer pessoa fosse algo previsível.
Outro argumento recorrente é o de que para defender a vida como um fim em si mesmo seja preciso apelar para algum “dogma religioso”, como se qualquer descrente não pudesse chegar à mesma conclusão de que a vida tenha um valor em si mesma. O objetivo aí é o de tentar criar uma falsa dicotomia entre a fé e a razão, a religião e a ciência, tornando o valor intrínseco à vida uma questão discutível atrelada à subjetividade da fé de cada um e sem lastro na objetividade da ciência e da razão.

Mesmo sem passar pela mesma experiência, é perfeitamente possível compreender o drama para algumas mulheres e algumas famílias de ter que sustentar uma situação que não irá cumprir com as expectativas que deram origem a tal situação. Mas, nesse caso, os defensores da causa, deveriam simplesmente assumir que o que de fato está em discussão é meramente o fator do bem-estar individual, comprometido pelo não cumprimento da situação idealizada.

Para quem leu até aqui, vale dizer que a idéia não é condenar quem fez, ou pensa em fazer um aborto, seja de anencéfalo ou por outra razão qualquer, mas tentar levantar aquilo que é relevante e por uma série de razões fica obscurecido no discurso em torno do assunto.

Seria mais honesto se a questão fosse conduzida desta forma, em lugar de se tratar a sociedade simplesmente como um bando de gente sem cérebro. A transparência ao menos possibilitaria que cada um refletisse sobre seus reais motivos e interesses chamando para si a responsabilidade de seus atos e escolhas.

Comentários

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3 comentários sobre “Aborto de anencéfalos

  1.  hoje serão os anencefálos a serem abortados. Amanhã os que tem síndrome de down….depois os que possuem deficiência física ou cerebral….Bem, acredito que bem antes disso os abortos com crianças saudáveis serão feitos em prol ao conforto de mães solteiras ( e piriguetes ) que se deixaram ir por uma noite de balada e não se protegeram. Enfim, para o estado esquerdista, quanto mais poder sobre a vida de seus cidadãos, ao seu bel prazer, melhor.

  2. Está aberta a discussão sobre o que é, ou sobre qual o valor da vida, sob todos os prismas, quando na verdade, o que deveria ser julgado é a motivação de cada um, por detrás da interrupção da gestação de fetos anencéfalos.
    O que se alega é que a continuidade da gravidez passa a ser uma tortura psicológica para a mulher, o que é indiscutível. Então, opta-se pela solução que em primeira instância, parece ser a mais coerente, por visar o bem-estar emocional da mãe – uma vez que os fetos anencéfalos não são passíveis de sofrimento, por aqueles que os consideram sem vida.
    Mas, e a longo prazo? Onde este passo levará uma sociedade cada vez mais voltada para os seus interesses egoístas? Que portas mais serão abertas para que uma degeneração sem precedentes, no Brasil, seja estabelecida?
    A legalização do aborto para anencéfalos, seria apenas mais uma justificativa para a cauterização da consciência de muitos, que levaria à aprovação de outros atos bizarros, de iguais motivos injustificáveis, e uma comporta aberta para o caos moral que vem a seguir, quando um abismo chama outro abismo.

    Muito bem colocado, Hamilton!
    Abração.

  3. Excelente enfoque do tema, Hamilton.

    Os “doutores” que julgam a matéria (e outros), realmente acham que todos os que são OBRIGADOS a acatarem suas decisões, são como você bem diz: “um bando de gente sem cérebro”.

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